Since computer comes to aid at the compositional proccess
several interfaces were created, either graphic or tradicional interfaces.
The tradictional score were transposed on sequencers and even others pre-compositional
procceds uses already musical notation. In this paper our intention is
to point out the fact that those interfaces are more than a simple transpositions
and we can see a lot of musical implications on it, including some changes
in the musical thought: mainly the change in the concept of time and comositional
unity.
Loking at these relation between composer and technological supports we
have a scope of relations going from the composer as a user (where machine
is nothing more than an auxiliary support) up to a most complex interactivity
which concept of the environment and compositional thought are both changed,
and allows also new ways to understand music listening.
Desde que o computador passou a auxiliar no processo composicional
diversas interfaces foram realizadas, seja gráfica ou tradicional.
A partitura tradicional foi transposta para os sequenciadores e diversos
procedimentos pré-composicionais já dispõem atualmente
de aplicativos que usam a notação musical tradicional. É
claro que mesmo tais "meras transposições" implicaram
em mudanças nos modos de composição: podemos ouvir
o que acabamos de compor, podemos visualizar rapidamente o que acabamos
de calcular, nunca temos a partitura por completa na tela, e assim por
diante. Algumas possibilidades de relação entre compositor
e ambiente de composição com suporte tecnológico se
estabelecem então:
a) situações em que o suporte constitui-se num mero auxílio
para acelerar ou facilitar cálculos, projeções, transformações
de timbres, montagens, previamente elaboradas pelo compositor em sua mesa
de trabalho.
b) situações limitadas em que o suporte é quem determina
os processos e procedimentos composicionais... o compositor apenas realiza
uma composição já prevista pelo designer daquele suporte.
c) situações em que tanto o design do suporte é utilizado
de um modo particular quanto o modo de composição se reconfigura
para atuar naquele ambiente.
O que distingo com essas três categorias é o índices
de interação, que pode ser passivo ou ativo. Na interação
passiva o sujeito não reconhece o interação, embora
ela esteja presente. "e o que temos em "a" e em "b":
o compositor que simplesmente transpõe para o suporte seu pensamento
previamente elaborado sobre o papel, refletindo uma prática decorrente
da escritura sobre o papel; e o compositor que trabalha segundo preceitos
do suporte, limitando-se às possibilidades já vislumbradas
pelo programador. O que distingue ambos os processos é a presença
marcante ora do compositor ora do suporte tratando-se ambos os casos de
interações passivas.
Quanto à interação ativa, é nesta que observamos
resultados de troca constante entre compositor e ambiente. Existe nela
um canal aberto de reciprocidade e este canal é reconhecido pelo
compositor; ele não só sabe de sua presença como deixa
que interfira em seu pensamento composicional. Se na interação
passiva tínhamos a história do compositor e a história
da música em contraposição a um suporte sem história
considerável, ou ainda um suporte com história frente a um
compositor sem história, na interação ativa as histórias
dos elementos que dela participam são constantemente reconfiguradas
derivando numa nova história resultante do fluxo de trocas.
De um modo geral, interações do tipo ativa permitem a transformação
radical de conceitos. Interações passivas também implicam
em mudanças, porém o que se assiste nesses casos é
a uma transformação gradual. Devemos observar que ambientes
que mudam lentamente permitem a estabilização de certos comportamentos
ó como ocorreu com a música tonal nos sécs. XVIII
e XIX, ou com o modalismo dos sécs. XI e XIV. Já, as mudanças
abruptas num ambiente determinam a diversificação e proliferação
mais difusa de comportamentos. São exemplos destas mudanças
mais abruptas, o surgimento da notação musical sobre pauta,
que determinou os rumos da polifonia e o fim da primazia da monodia, ou
ainda a presença de recursos eletrônicos e mecânicos
de gravação e transformação de sons como os
que determinaram a música concreta de Schaeffer ou as experiências
de Cage em "Imaginary Landscape". Como sabemos, a mudança
provocada pelo ambiente, que deixa de ser a partitura para ser a ilha de
montagem de audio, impulsionou não só um novo tipo de abordagem
musical, como também uma nova compreensão do objeto-musical.(1
) E não restringimos esta mudança apenas ao âmbito
da composição, ela transborda também para a escuta
e para a análise musical. (2 )
De fato, o movimento de interação e troca constante, no qual
os participantes reconfiguram uns o comportamento dos outros, faz-se presente
mesmo que desapercebido. O território estabelecido pela linguagem
embutida no suporte tira o compositor de seu território conhecido.
Mesmo ao usar aplicativos que aparentemente são meras transposições,
como os sequenciadores, o sujeito está frente a um processo de reconfiguração
pois ele deve tornar efetivas suas operações. Não
se trata de uma simples adaptação, pois o ambiente também
é transformado.(3 ) Não
só o comportamento do compositor é reconfigurado, mas o próprio
ambiente passa a ter uma configuração própria para
este sujeito específico: cada aplicativo é "um"
na mão de compositores diferentes.
De fato, mesmo que desapercebidamente, as duas histórias (do sujeito
e do suporte) se interpenetram e uma série de mudanças é
posta em relevo. Com o auxílio do computador são possíveis
novas representações do objeto-sonoro, surgem novos espaços
não lineares de composição, particularidade do suporte
que muitas vezes o compositor procura derrotar. Mas vistas de outro modo
as novas representações do som e da estrutura musical em
ambiente computacional abrem espaço para reexaminarmos alguns daqueles
conceitos que foram de grande importância para a música do
passado e que ainda sobrevivem em grande parte da música atual.
(4 )
Com a música eletroacústica podemos dizer que o compositor
atua como seu próprio intérprete. Ou ainda como um pintor.
Ele concebe, e ele mesmo realiza sonoramente sua idéia. Com a presença
do computador mediando esta operação, o compositor passa
a ter à mão um instrumental ainda mais preciso de transformação
e também um retorno mais direto daquilo que cria. Como o pintor
que vê a cada momento o que pinta, o compositor agora ouve a cada
momento o que cria.
Como um pintor, é o próprio compositor quem prepara suas
tintas (seu material sonoro) e as modula compondo sua paleta de cores (seu
material musical). E depois, ao modo dos pintores figurativistas, representa
suas cores sobre o papel delineando grandes degradés - passagens
graduais de um som a outro. A ênfase recai sobre o objeto-sonoro
que é prolongado em grandes contínuos que, ao modo dos encadeamentos
tonais, segue passo a passo as modulações da tônica
(talvez um modo didático de tornar claro o percurso!). É
interessante notar que, realmente, tais composições chamam
a atenção para o objeto e para sua transformação,
mas sublimam outros aspectos do fato musical - sua referencialidade, seu
aspecto figural -, entregando-se a um único e poderoso gesto que
desgasta lentamente a fórmula "ligetiana" para torná-la
em mero "New Choralism".(5
)
De fato, nota-se que mesmo frente a novos ambientes de composição
o nível de relação ainda obedece aos padrões
da música tradicional. Mesmo recortando amostras de som, esta operação
ainda é regida pela linearidade de um tempo sucessivo, pela norma
da causalidade; mesmo dando grande atenção ao fato sonoro
este ainda é justificado pelo modo como se insere no desenvolvimento
de eventos musicais. E este é o espaço do artesanato sonoro.
Não se trata de uma falta de experimentação, mas de
uma experimentação que é restrita ao compositor e
seu círculo. Ela não é mais compartilhada com o público.
O que o compositor compartilha são aqueles resultados satisfatórios,
pois podendo ouvir seus resultados a cada momento, ele deixa com que as
sombras do senso comum e do bom gosto venham insidiosamente se fazer presentes.(6
) A crise da experimentação, notada por Carl Dahlhaus,
aparece aqui de um modo bastante particular. Não falta experimentação
pois ela existe, mas não é compartilhada; ela existe e tem
que sobreviver ao senso de bom gosto. É então que falamos
da presença de um "New Viortuosism": o compositor devém
no artesão que domina seus sons, e que, conhecedor do "bom
gosto coletivo", opera dentro dos limites da simplicidade - mesmo
que disfarçada por estruturas encalacradas.
O que quero notar aqui é a permanência de diversos conceitos
da música tradicional na atual música eletroacústica,
sobretudo os de tempo causal e unidade formal. Mesmo diante de novas tecnologias,
mesmo após quase um século de transformações
nas representações que vão do átomo ao tempo,
mesmo após tanto esforço humano, linearidade, causalidade,
unidade, integridade, organicidade, permanecem sendo os lemas intocáveis
da valoração estética, condições que
distinguem a "boa" da "má" música, como
apresenta Jean Molino em "Du plaisir au jugement: les problemes de
l'évaluation".(7 )
São padrões que têm por princípio um tempo linear,
ou cíclico, e refletem a primazia da síntese de elementos
homogêneos. Lembram de fato as observações de Kant
na Crítica da razão pura, dizendo o quanto é
necessária a homogeneidade das micro-percepções para
síntese do universo das percepções devenha conhecimento.(8
) No terreno da composição musical vemos este mesmo pensamento
quando destinamos grande parte do processo composicional a garantia de
um princípio unificador fazendo derivar todos os elementos de uma
música a partir de um só ponto de partida, como se isto justificasse
a obra.
Se frente aos modos tradicionais de composição é difícil
pensar numa música que não disponha de um elementos unificador,
não é difícil pensarmos ou ouvirmos esta possibilidade
ao compor com auxílio de um sequenciador digital de audio. Abrindo
mão da idéia de lógica interna e optando pela coerência,
um passo já vem sendo dado pela música espectral, indo além
dos limites da unidade formal e estrutural.(9
) Porém, podemos ir além ainda mais uma vez (ao menos
por enquanto), deixando a coerência em nome da ressonância
de um elemento no outro, abrindo mão da continuidade e integrando
disparates, resgatando os passos de Varèse em Integrales
e Poème Electronique.(10
) E, com o auxílio do computador podemos operar velocidades
as mais variáveis, articular elementos disparatados em grande velocidade
sem que esta operação implique em virtuosismo instrumental,
como acontece na música instrumental.
Podemos pensar então na justaposição de disparates,
o que promoveria uma escuta localizada, ou como observa Ferneyhough em
"Tactility of time",(11 )
uma escuta das diferenças entre os eventos, voltando-a para cada
evento, para sua constituição e suas diferenças internas.
Pois bem, uma escuta das diferenças, uma escuta de cada som, de
cada detalhe, como sendo um dado singular põe de lado a presença
ou não de um elemento unificador. Não é necessário
buscar um elementos unificador, pois ele não tem papel algum nesta
escuta localizada. Pelo contrário, sua presença impediria
uma escuta localizada, uma escuta de singularidades. A lógica aqui
é simples, se estamos voltados para um jogo de diferenças
fica difícil notar o jogo de semelhanças e analogia exigido
por um elemento unificador. Numa escuta local os fatores de direcionalidade,
de unidade e de função deixam de ser relevantes, passando
a relevância aos índices que proporcionam a escuta das singularidades.
Com a possibilidade de dispor elementos disparatados, de permutá-los
em velocidades variadas e de trabalhar diretamente com a heterogeneidade
do som, a música eletroacústica, realizada com o auxílio
de computador, torna não só viável, mas simples, abrir
mão da primazia deste princípio fundamental e unidade formal,
elementar e estrutural, que permeia ainda uma certa "escolástica
contemporânea". Vista de outro modo a unidade passaria a ser
determinada apenas pela presença de um evento lado a lado ou sobreposto
a outro. Não estaríamos mais lidando com a representação
de uma unidade mas com uma unidade que corresponderia às noções
de concomitância, ressonância, emascaramento, transparência,
fissão e fusão.
Ao ser enfatizada uma escuta local, de cada evento sonoro, na verdade
o tempo foi retirado do plano de composição, ou o tempo está
"fora dos seus eixos cardos" como nos diria o filósofo
francês Gilles Deleuze.
É importante que tenhamos em mente que tempo e espaço não
são dados a priori. Tempos e espaço são conceitos,
assim como qualquer outro símbolo.(12
) Basta olharmos para a dualidade corriqueira entre canção
popular ou a música ritual e música de concerto para notarmos
a ação de conceitos diferentes de tempo. Enquanto o foco
das primeiras está centrado em seus no material elementar é
a melodia ou o ritmo é simplesmente reiterados, na música
de concerto ocidental a atenção recai sobre o desenvolvimento
deste material. É o percurso que interessa; a atenção
está voltada para a transformação e para o modo de
transformação que nos permite passar de um material a outro
e não para o material temático ou rítmico em seu estado
bruto. Trata-se de dois tempos distintos. Nos primeiros dois casos (da
canção popular e da música ritual) falamos de um tempo
no qual o presente é contínuo, cada presente contrai outros
presentes. Já no outro caso falamos de um tempo em que o presente
projeta-se sobre dois extremos, sobre o passado e sobre o futuro. Temos
assim um tempo circular e um tempo direcional. Se no primeiro temos apenas
uma sucessão de presentes, é no segundo que encontramos o
passado que foi presente ó espaço da rememoração
ó e o futuro que será presente ó espaço da
predicabilidade. Vistos estes dois tempos não seria possível
um terceiro tempo? Messiaen nos falaria da eternidade como terceiro tempo,
o "fim do tempo" que reflete a idéia de "tempo fora
dos eixos".(13 )
Mas em que consiste este "tempo fora dos eixos". Aqui retorno
à fórmula do pintor. Diria então que, no sentido inverso
de P.Klee que introduziu o tempo na pintura, como apresenta em seu texto
"La Pensée creatrice", aqui estaríamos tirando
o tempo de seus eixos, desfazendo sua linearidade, trabalhando o som como
manchas de tempo e quebrando suas direções buscando gerar
teias complexa que enfatizassem escutas locais. Não se trata de
eliminar a causalidade e ou a linearidade, mas de deixá-las transparecer
apenas localmente. Se o tempo causal e linear da música tradicional
sobrevive, vista a facilidade que diversos aplicativos de audio permitem
em transformar gradualmente um som em outro, não vem ao caso esquecermos
dele, mas incluí-lo. Neste caso cito o modo operacional de Francis
Bacon que após elaborar figurações bem claras as deformava
com golpes de pincel, ou com um pano seco, ou ainda a fórmula de
Miró que lançava quotidianamente manchas sobre tela brancas
que ficavam expostas em seu atelier até que um dia elas fossem notadas
como possíveis bases para a realização de um quadro.
Deste modo, ao invés de um tempo cíclico ou linear -ou reto-
falaríamos de um tempo que se dobra, que se amarrota e rasga como
um tecido, aproximando pontos antes distantes e distanciando pontos que
eram próximos. E isto não é difícil de operarmos
sem ambientes bastante simples como os sequenciadores de audio, ou até
mesmo em programas de tratamento e análise espectral. Este sendo
um modo de pensar a música eletroacústica como o espaço
próprio para darmos real atenção ao som, sem que ele
sucumba aos princípio lógicos que supostamente determinaram
suas transformações, não esquecendo que um som é
mais complexo do que a representação que fazemos dele, seja
aquela dos sonogramas, seja aquela bastante simplória das estruturas
musicais que didaticamente descrevem transformações sonoras.
Dar atenção ao som seria o mesmo que dar atenção
às cores, às tintas, não à seus aspectos rotineiros,
pois o olhar e a escuta são também construções.